quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Mudança de Tempo / Tempo de Mudança



Ainda ontem quando cheguei à estação da Transtejo, percorria todos meus bolsos no intuito que estaria por ali o meu cartão de passagens, enquanto isso escutava um sussurrar de vozes onde era perceptível alguns comentários referentes à bicicleta que transportava. Já próximo da conversa levantei a cabeça e sorri em jeito de saudação, eram tês funcionários da companhia que já se vão habituando à minha e talvez outras presenças de bicis no cais de embarque, aproveitando a ocasião questionei acerca da possibilidade de poder transportar a bicicleta no barco fora do período instituído pela impressa no trajecto entre Cacilhas e o Cais do Sodré. Ficou esclarecido então que o poderia fazer desde que a bicicleta entrasse fechada, não exclusivamente no barco mas logo à entrada para a estação. Entendo de certo que este comportamento será para evitar situações constrangedoras entre o acesso de bicicletas com outra tipologia, dando origem a uma dualidade de critérios. Dentro da normalidade dos meus horários e rotinas não sou abrangido pela restrição de acesso, no entanto não deixa de ser uma boa noticia para qualquer eventual necessidade.

O tempo está a mudar em conformidade com a estação, equaciono que terei de usar mais roupa, consequentemente surge maior incómodo de movimentos e possível transpiração. No entanto basta olhar para os países com climas mais frios e perceber que isso não é uma contrariedade. Estive a pensar pelo facto de os mesmos países terem a bicicleta instituída na circulação urbana, contemplados com ciclovia, sinalização e código da estrada adequado, isso retira muita pressão na circulação, ou seja, pelo facto dos ciclistas se encontrarem mais seguros e protegidos poderão gerir melhor a cadência do seu andamento, sem lidarem com o sentimento de concorrência na ocupação do espaço para com os veículos automóveis, portanto uma melhor gestão da velocidade implica menor transpiração.

No entanto enquanto não estamos munidos dessas condições, e até porque parte do meu trajecto implica algum esforço ascendente, decidi por colocar uma grelha e uns alforges para transportar alguma roupa para trocar na chegada ao trabalho. Já não me recordo aonde li mas que o facto de a mesma ir enrolada em vez de dobrada, chega certamente em melhores condições. Pensei ainda que o facto de ficar mais pesada com esta alteração afectaria o desempenho, mas na verdade não é significativo, posso até dizer que ficou com melhor estabilidade nas descidas mais insinuantes.

Continuo a achar que a Rua do Arsenal é vergonhosamente má para se transitar, no entanto não tenho alternativa ás brechas daquela calçada que me faz sentir um martelo pneumático.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

"A gênese das bicicletas"
Gabriel García Marquez


“Quando o homem conseguiu colocar pedais em seu próprio equipamento, inventou a bicicleta. Não fez nada mais que isso, pois nem sequer as rodas eram indispensáveis. As rodas já existiam, em alguma parte do mundo, à espera de que os homens aprendessem a mover os pés no ar, enquanto descansavam comodamente sentados em seu centro de gravidade. O selim? Não. Tampouco era indispensável o selim. Foi inventado mais tarde, quando se descobriu que era necessário proteger o centro da gravidade da fricção contínua. Logo surgiu o guidom. O homem poderia existir indefinidamente sem ele, porque a terra era redonda e teria podido dirigir-se a qualquer lugar apenas mantendo a direção inicial. Mas quando surgiu um homem que quebrou a cabeça para inventar a bicicleta, houve outro que quebrou a sua para inventar as esquinas. E então o guidom se tornou necessário, indispensável.
Uma vez que o homem descobriu o profundo senso locomotor de seu equilíbrio, tinha ganhado já a primeira batalha contra o tempo e o espaço e havia descoberto um novo sistema para driblar a morte. Mas não se contentou com isso. E o grave começou precisamente quando essa inconformidade sofreu sua crise e o que a princípio foi uma simples diversão converteu-se em válvula de escape para sua vaidade. Foi então quando Adão atravessou o paraíso sentado sobre uma idéia, movendo os pés para fazer girar um pedal metafísico, e Eva não pôde compreender racionalmente o princípio físico de que se serviu seu companheiro para se deslocar no espaço sem tocar o chão. Várias vezes esforçou-se Adão para conseguir que Eva desse um salto no ar, já com uma noção precisa de seu centro de gravidade, e passear pela grama dos caminhos do paraíso terrestre, sentada a meio metro de altura. O trágico episódio da maçã pôs fim à experiência, mas a idéia sobreviveu e foi sendo transmitida de geração a geração, até o instante em que alguma mulher conseguiu convencer seu marido de que toda idéia prática que aceitasse o clima do cérebro humano era suscetível de ser montada sobre um parafuso. E o marido obedeceu. E subiu ao ar e marcou no espaço um ponto em torno do qual poderiam girar seus pés sem grande esforço. E ali colocou o primeiro parafuso.
Desde logo o que se seguiu foi uma conseqüência lógica, visto que já existia um ponto de referência para continuar dando à idéia primitiva uma qualidade ponderável. No entanto, quando aquela laboriosa atividade foi concluída, a mulher ainda não era capaz de desfrutar as vantagens do novo invento, pela razão elementar de que, não tendo concebido a sua noção, para ela o instrumento era inútil. A engrenagem metálica, as rodas e o selim continuariam sendo tão inoperantes como o eram antes de existir enquanto a mulher não compreendesse que aquilo não era realmente um veículo, mas simplesmente uma idéia projetada no espaço para facilitar sua compreensão. E como o tempo passou e com o tempo a paciência do homem para conseguir que sua mulher aprendesse a aproveitar as inumeráveis vantagens do centro de gravidade, o diligente inventor tomou uma nova iniciativa. Se a mulher não conseguia sentar-se sobre seu próprio equilíbrio, só restava um recurso; sentar simultaneamente a mulher e o equilíbrio. E assim nasceu o triciclo.
Mais tarde o novo objeto tornou-se tão elementar que se converteu numa diversão para as crianças. A mulher sentiu-se envergonhada e fez novos esforços para aprender a manobrar a bicicleta. Mas outra vez, e quem sabe para sempre, foram inúteis todos os seus esforços. Ao homem só restava uma esperança; saber se seu equilíbrio era indivisível, pessoal e intransferível. E quando descobriu que não o era, seu problema ficou momentaneamente resolvido, porque havia conseguido que a mulher não se sentasse sobre seu próprio centro de gravidade, mas no centro de gravidade do homem. E estava inventada a bicicleta de dois lugares.
E assim, de descobrimento em descobrimento, a mentalidade humana foi evoluindo, projetando-se até novas formas de vida, até quando os mortais, cansados de pedalar pelo mundo, conseguiram desvincular a bicicleta do movimento. E inventaram a cadeira.”

Gabriel García Marquez, junho de 1950, tirado de Textos Caribenhos, o primeiro livro da sua obra jornalística.
Fonte http://interpretar.wordpress.com

sábado, 4 de outubro de 2008

PortalDoTrapalhão


Atendendo ao sentido depreciativo desta notícia, fica o juízo de como o Portal do Cidadão interpreta a circulação da bicicleta:

“A construção desta infra-estrutura tem como objectivo disciplinar o tráfego de bicicletas nesta zona e resulta de um protocolo entre a autarquia lisboeta e a Administração do Porto de Lisboa”.

Sim, o tráfego de bicicleta tem que ser disciplinado afim de controlar esse flagelo da mortandade das estradas portuguesas causado pela utilização da bicicleta. Que desatento anda o poder politico com a alteração à “Lei das Armas”, quando são os utilizadores da bicicleta uns indisciplinados.